quarta-feira, 23 de setembro de 2009

"São raros os filmes que escapam"

Pedro Costa é objecto de monografia a lançar hoje na Cinemateca, em Lisboa, a que se segue a reposição de "O sangue" e o lançamento de dois filmes em DVD.

2009-09-22

JOÃO ANTUNES


É um dos cineastas portugueses mais apreciados internacionalmente, sendo o último, até agora, a estar presente em competição em Cannes, há três anos, com "Juventude em marcha".

Hoje, na Cinemateca, em Lisboa, é lançada a monografia "Cem mil cigarros - Os filmes de Pedro Costa", com textos de 28 críticos e ensaístas de todo o Mundo. Dois dias mais tarde, o seu primeiro filme, "O sangue", estreado em 1990, será reposto em cópia nova. A 1 de Outubro, será lançado o DVD do filme, bem como a reedição de "Onde jaz o teu sorriso", documentário do autor sobre o cinema de Straub e Huillet. Em Novembro, será a vez da estreia de "Ne change rien", na Festa do Cinema Francês, no próximo mês.


Os princípios que regem o seu trabalho hoje são os mesmos de quando começou, há 20 anos?

Espero que sim. O que mudou, o que foi crescendo ao longo do tempo, foi um descontentamento com uma parte do ofício e um recentramento em relação a mim próprio e à maneira de organizar e produzir os filmes e isso é que levou a afastar-me da maquinaria do cinema com a qual fiz "O sangue". Mas as bases estavam lá.

Como é que vê o filme, hoje?

Vejo outro filme. Está-se sempre um pouco cego quando se pega numa câmara pela primeira vez. Cego de entusiasmo, de urgência e de angústia como em qualquer primeiro filme. Mas há sempre aquela qualidade rara da primeira vez. Hoje, já consigo ver melhor e aceitar a Isabel de Castro, o Canto e Castro, o Luís Santos, o Henrique Viana. Todos cada vez mais fantasmas...

Então, a sua atenção centrava-se mais em quem?

Estava mais perto do Pedro Hestnes, da Inês, do Nuno. Contra os "velhos credores". No fundo, era essa a história do filme: um gangue de sórdidos adultos que se lançam sobre uns miúdos indefesos. Para cobrar uma misteriosa dívida. Do susto e do pesadelo ainda não me consegui livrar, mas sinto que, 20 anos depois, conseguimos pagar a dívida. Era a dívida do cinema.

A sua obra é muito apreciada lá fora, mas por cá o reconhecimento nem sempre é generalizado. Esta "Operação Pedro Costa" vai pôr as coisas no sítio?

Não se trata de uma "operação". É uma coincidência. Um livro, uma reposição, uns DVDs novos, a estreia do "Ne change rien". Como qualquer inflação, pode criar-se uma dispersão. E gostava que se vissem os filmes, realmente. São raros os filmes que, hoje em dia, escapam à indiferença, mesmo alguns "blindados" americanos.

Mas como é que vê a reacção entre nós à sua obra?

"O sangue", na altura, foi um pequeno acontecimento. O "Ossos" foi um razoável êxito de bilheteira. Depois, filme após filme, tem sido escada abaixo... mas estamos todos no mesmo barco, sobretudo os chamados cineastas "comerciais". Mas os filmes vivem, andam por aí, em DVD, em downloads, de mão em mão. Todos têm sobrevivido para além das duas semanas da estreia comercial. E viajam muito bem.

Mas será pelo facto de os filmes serem profundamente portugueses e normalmente não gostarmos de nos ver assim ao espelho?

Se são portugueses ou não, estou-me nas tintas. Aliás a "língua oficial" do "Juventude em marcha" é o crioulo cabo-verdiano...O que é difícil é mostrar, estrear, manter vivos os filmes portugueses neste regime cada vez mais selvagem e monopolista da exibição. Os meus filmes passam sempre naquela sinistra RTP 2 e nunca antes das 11 da noite, portanto, estamos conversados. E levar por tabela com o carimbo "radical", "difícil", "exigente", etc também não ajuda muito. As pessoas estão no seu direito de não quererem ver certas coisas.

Nestes 20 anos, houve algum projecto que tenha muito querido fazer, mas não tenha conseguido?

Não. E no meu caso não é o dinheiro ou a falta dele que dita a existência de um filme. Há filmes a fazer e filmes a não fazer. O mais complicado nestes 20 anos foi conseguir o segundo filme. "O sangue" tinha corrido bem, julgava que a coisa estava adquirida, era só fazer o primeiro, depois o segundo, depois o terceiro, como qualquer realizador em qualquer parte do Mundo. Mas as coisas nunca são como as imaginamos, sobretudo em Portugal.