quinta-feira, 13 de março de 2008

sou teimoso e acho que há muitas hipóteses de fazer coisas diferentes com aquelas pessoas.

Há realizadores e realizadores. Méritos à parte, Pedro Costa é dos que não cede à lógica comercial. Faz cinema alternativo, diz-se. A 12 deJaneiro, Costa recebe em Los Angeles o prémio de Melhor Filme Independente/Experimental de 2007 peja Associação de Críticos da cidade de Hollywood. Em entrevista ao “SEXTA”, o realizador de Ossos e No Quarto de Vanda explica a sua concepção de cinema e o modo como os EUA descobriram os seus filmes.


- Pode dizer-se que foi o crítico Canadiano Mark Peransen, da revista Cinema Scope, que o apresentou aos EUA ao classifica-lo como «um dos melhores realizadores do mundo»?

- Isso é só uma opinião dele. Ele foi um dos que olhou e escreveu sobre o meu trabalho, mas não foi o único. Tudo aconteceu desde que o Juventude em Marcha passou em Cannes e foi visto por muita gente. Infelizmente é assim. Os filmes têm que conseguir estar nestes festivais para começarem a ser falados. E só se entrarem na Competição Oficial [caso de juventude em Marcha, em 2006], caso contrário são logo considerados terceiro-mundistas.

- Alguns críticos norte-americanos dizem que ou se é a favor ou contra a sua obra. Acha que as posições têm que ser assim, extremadas?

- Nem é só a obra artística em si mas todo o resto do meu trabalho, que traz uma carga em volta que se calhar nem os críticos percebem bem. Falo de filmes com tempos de rodagem muito longos, feitos com poucos recursos, com amadores ou jovens que estão desempregados. Gosto de caracterizar os meus filmes como de cultura popular. Interessa-me contar histórias de pessoas, daqueles sítios. E nada melhor do que fazê-lo com essas mesmas pessoas, chamando-as a participar. Isso traz aura aos filmes. Mas eles têm de facto poucos atractivos quando pensados no sentido dos outros. Aí os críticos têm razão. Ou se é contra ou a favor desta maneira de fazer cinema.

- A descoberta da sua obra na América desagua no prémio atribuído pela associação de críticos da capital do cinema mainstream. Não deixa de ser paradoxal e curioso...

- Sim, é estranho. Sinto neste reconhecimento uma espécie de prazer da parte deles em premiarem algo muito longínquo daquilo que estão acostumados a ver. É uma bofetada de luva branca (deles, não minha) que mostra que estão fartos do que vêem. E quando digo isto nem falo do resultado final, mas da proposta. O que pretendo mostrar é que o cinema é algo bastante possível de ser feito, que pode ser uma coisa barata e não necessariamente luxuosa.

- Mas, em Portugal, os seus filmes não levam muita gente às salas. Não atingem o dito sucesso comercial...

- É preciso acabar com a ideia algo provinciana de que os meus filmes são elitistas e intelectuais. Não são, e felizmente tenho provas disso, porque começo os filme s no bairro [Casal da Boba, Amadora] e termino-os no bairro. Tenho ali o meu próprio público que, depois de feito o filme, o vê, discute e critica. Acontece que os meus filmes e os de alguns colegas são pouco vistos nas salas porque as pessoas não têm acesso a eles. Não consigo passar os filmes na Lusomundo e, mesmo nas salas do Paulo Branco, sou obrigado a facturação imediata. É também contra essa lógica que tento lutar, contra essa necessidade de só fazer dinheiro. Hoje há menos público. Alguns fogachos. Como Serralves, o La Feria ou o Crime do Padre Amaro, têm muito público, certo. Mas seria bom que as pessoas pensassem no vazio que ali vai, naquela passividade e indiferença. Serralves está cheio mas é um passeio de domingo à tarde, como ir à Feira Popular.

- Sente que os seus filmes são mais apreciados no estrangeiro?

- A verdade é que viajam muito mais e melhor no estrangeiro do que em Portugal. E disso tenho pena. Os filmes são muito mais vistos lá fora e são portugueses. De algum modo têm a ver com a nossa realidade e o nosso país.

- Diz-se que o seu cinema é intervencionista, político. Concorda?

- Isso não vem só de mim. Vem das pessoas com quem trabalho. Nesse sentido os filmes podem ser considerados políticos, porque contam história de pessoas que têm problemas reais e que acontecem aqui, não em Plutão. Se calhar sem nada de muito espectacular…mas é este o trabalho que me interessa.
Tenho muita pena que o cinema tenha chegado a este ponto, ao ponto de Call Girl. Tenho pena porque esta arte que aprendi com o cinema mudo e o cinema clássico não merece certas coisas, certos filmes. O cinema prometia servir para que fosse vista a vida dos homens e essa promessa foi violada. Se é para fazer Call Girl´s, então desculpem mas não me sinto a fazer o mesmo trabalho. Esta é uma posição política, se quiser. Mas também moral e económica, no sentido em que deve fazer-se com poucos e para poucos. Não devem fazer-se filmes para milhões de espectadores, porque já sabemos o resultado: a exploração até ao tutano de certas coisas, com a tal da Soraia Chaves.

- Vai continuar a filmar no Casal da Boba. Certo? Porquê?

- Os meus colegas dizem-me às vezes para sair de lá, para experimentar outras coisas, que aquilo é doentio. Mas sou teimoso e acho que há muitas hipóteses de fazer coisas diferentes com aquelas pessoas. Quando se referem a bairros degradados, parece-me sempre que estão a falar das pessoas e não das casas. Mesmo quando os políticos usam a expressão, não estão a falar das casas, mas sim dos ditos drogados, malucos, pretos e assassinos. E, nesse sentido, sim, vou voltar a filmar com os drogados, os malucos, os pretos... [risos].Mas não quer dizer que tenha que ser filmado lá, pode ser em qualquer lado.

- Sente-se um artista militante?

- Não. Sinto que tento fazer as mesmas coisas que faziam todos os cineastas com que aprendi. O cinema é uma arte realista que era útil e insubstituível, tinha magia mas ao mesmo tempo olhava o real, as emoções, a vida. A partir de certo momento, o cinema deixou essa estrada e preferiu a auto-estrada. Acho que continuo a pisar esse trilho, prefiro as estradas secundárias. Penso que toda a gente gosta mais delas, só que não o diz.

- Voltando a Call Girl, vai ver esse tipo de filmes portugueses, ditos mais comerciais, ao cinema?

- Sinceramente, não vou. Para quê? São filmes que já estão feitos antes de terem sido terminados. Já estavam feitos há muitos anos e de maneiras melhores. Mas também não vou porque vou poucas vezes ao cinema. E isto não é pretensiosismo. Simplesmente volto muito aos filmes do passado ou vejo cinema de realizadores portugueses, mas da geração mais nova, e gosto bastante de alguns. Agora esta burguesia que sonha com mulheres fatais? Não. É patético, isso.

SEXTA, 4 de janeiro de 2008